A ferritina é uma proteína produzida principalmente pelo fígado, cujas funções básicas são: carregar ferro e mediar o processo agudo de inflamação.Por estar envolvida no transporte do ferro, é natural que haja uma proporcionalidade nos níveis da proteína com os do mineral. Por isso, uma das utilidades clínicas do exame se dá, por exemplo, na avaliação das reservas do mineral em pacientes com anemia ou em situações de risco para deficiência de ferro, como crianças e gestantes; níveis reduzidos de ferritina nesses casos indicam baixa reserva do mineral.
Quanto à questão da presença de um processo inflamatório agudo ou de uma ativação do sistema imunológico, assim como ocorre com outros marcadores bioquímicos, a ferritina eleva-se – ou seja, quando estamos diante de gripe, pneumonia, câncer, gastroenterite e, até mesmo, simples resfriado, os níveis sobem rapidamente. Nesses casos, a produção de ferritina pode até triplicar sem haver nenhum aumento na quantidade corporal de ferro. Outras condições que cursam com o aumento nesse marcador são o alcoolismo e as doenças do fígado, como a cirrose, as hepatites e a esteatose – que é o tão comum acúmulo de gordura no órgão. Também são causas de hiperferritinemia (ferritina elevada) as cada vez mais presentes obesidade e síndrome metabólica (combinação entre acúmulo de gordura visceral, resistência insulínica, hipertensão arterial e alterações nos níveis de colesterol e triglicérides). Para deixar bem claro essa questão entre as causas da elevação da ferritina, trago um estudo australiano recente, ressaltando que apenas 10% dos casos de elevação do marcador são associados à sobrecarga de ferro – todas essas outras doenças que acabei de mencionar, são responsáveis por 90% dos casos. (leia essa última frase de novo!)
Deixo aqui dois pontos importantes: (1) outras condições elevam a ferritina e, por isso, (2) nem sempre esse aumento significa sobrecarga de ferro – condição não tão frequente assim.
Passo, então, para a segunda pergunta, sobre as mudanças imediatas nos hábitos alimentares. Não há necessariamente a necessidade de se restringir alimentos ricos em ferro após abrir o envelope dos exames e encontrar um nível alto de ferritina. Isso porque se trata de um exame que não é definitivo quanto ao diagnóstico de excesso de ferro. Antes da mudança na dieta, um resultado alterado deve levar o paciente e seu médico a uma investigação atenta e por etapas. Deixo de novo ressaltado a necessidade de ser uma investigação organizada por etapas para que se evite precipitações, erros no diagnóstico da causa e sangrias ou dietas muitas vezes desnecessárias.
Inicialmente, uma questão deve ser evocada e respondida: o paciente estava com alguma condição inflamatória (resfriado ou uma artrite no joelho, por exemplo) quando realizou o exame ou alguma doença crônica pode estar causando esse aumento? Na intenção de aprofundar essa análise, além da anamnese (entrevista clínica) e exame físico, o médico pode solicitar outros exames bastante simples, como asaturação de transferrina, a proteína C-reativa ultrassensível e o VSG. O primeiro é mais fidedigno na detecção de uma sobrecarga de ferro e deve ser sempre solicitado, enquanto os últimos dizem respeito ao estado inflamatório do organismo.
Mas, então, se tenho ferritina alta e a saturação de transferrina veio baixa, não preciso me preocupar?
Precisa sim. Mesmo quando uma sobrecarga de ferro não está presente, essa situação de ferritina alta deve sempre ser encarada como um sinal de alerta. Por quê? Você está lembrando que entre as funções dessa proteína, está a de ser um marcador do processo inflamatório, dessa forma, algo de errado está acontecendo e se faz necessário descobrir do que se trata. Além disso, o excesso de ferritina nessa circunstância está associado ao risco de desenvolvimento de uma doença perigosa: a diabetes. São diversas pesquisas recentes que apontam a relação entre níveis elevados da proteína com um risco aumentado para a doença.
Alimentos com Ferro não são os Únicos Vilões!
Sobre os aspectos nutrológicos do excesso de ferro, em muitos casos é recomendada a restrição da ingestão do mineral, além do cuidado no uso de suplementos alimentares que possam contê-lo, ou então apresentem vitamina C em sua fórmula – lembrando que essa vitamina facilita e muito a absorção de ferro nos intestinos. Entre outras medidas, volto a falar na “dupla digestiva”: algumas pesquisas apontam que o uso de café e chá verde logo após uma refeição contendo ferro diminua a absorção do mineral. Alimentos ricos em cálcio, como leite, podem também exercer o mesmo efeito.
Pesquisas recentes comprovam, no entanto, que não é somente o consumo de alimentos ricos em ferro que causa elevações na ferritina. Hoje, sabemos que condições metabólicas diversas favorecem o descontrole do fígado em lidar com o mineral. Através da produção de um hormônio chamado hepcidina, é o fígado que está entre em responsáveis por esse controle. Um tipo de açúcar, no entanto, chamado frutose, prejudica o funcionamento do órgão e leva tanto ao aumento nos níveis de ferritina, como nos de ácido úrico, de gordura e causa resistência insulínica. Isso explica o fato de pessoas que não consomem grandes quantidades de carne vermelha apresentarem ferritina alta – basta que consumam refrigerantes, sucos de caixinha, doces, mel e frutas em excesso. Outro grande vilão da alimentação saudável, o xarope de milho utilizado em produtos industrializados, é também rico em frutose. (link para lista de alimentos ricos em frutose da ABESO – Tabela%20de%20frutose1 ABESO)
O mesmo vale para o consumo em excesso da gordura do tipo saturada, encontrada em frituras, alimentos congelados e fast-food no geral. Retomando à questão de imediatamente restringir o ferro, nada a ver, então, sair logo cortando o feijão da dieta. Ele, inclusive, pode ser um importante aliado quando propomos uma reeducação alimentar. Quando bem feita, uma orientação nutrológica precisa levar em conta diversos aspectos do metabolismo do fígado, composição dos alimentos e análise de exames com muito critério.
Dieta para “Gordura no Fígado” – Organizei princípios nutrológicos para redução da ferritina quando saturação de transferrina normal (ou que se chama de hiperferritinemia metabólica) associada à esteatose hepática:
dieta com no máximo 7% de valor calórico proveniente de gordura saturada;
baixa quantidade de frutose;
carboidratos com baixo índice glicêmico;
nível controlado de sódio (1500 mg);
pelo menos 30 gramas de fibras ao dia;
níveis adequados de PUFA, em especial ômega-3;
controle na quantidade de ferro ingerida;
indicação de quantidade de proteínas em 1 grama por kg de peso ao dia;
suplementação de vitaminas E e D caso presença de esteatose hepática ou níveis baixos da última;
oferta de antioxidantes caso necessário;
uso de metformina quando resistência insulínica, pré-diabetes ou diabetes;
restrição ao consumo de bebidas alcóolicas (máximo de 1 dose ao dia);
indicação de exercícios aeróbicos e resistidos;
uso de substâncias como silimarina e cúrcuma conforme avaliação médica.
Deixe o medo da ferritina alta de lado e procure seu médico para uma avaliação mais completa. Muitas vezes o exame pode ser repetido e vir normal ou muito mais baixo. Caso fique na dúvida, uma consulta com um hematologista, pode ser feita – ele é o profissional médico especialista em distúrbios do sangue e poderá ajudar na definição do diagnóstico de hemocromatose e do tratamento a ser feito. Gastroenterologistas e alguns clínicos que possuem interesse no assunto também podem te ajudar. A meu ver, uma situação como essa, de estar com o exame alterado, é uma excelente oportunidade para aproximação com o médico e para revisar diversos detalhes que podem estar passando desapercebidos e logo mais causarão sérios problemas. Felizmente, a ciência não para de nos dar valiosos sinais para nos cuidarmos, reconsiderarmos nossa rotina, valorizarmos nossa saúde. Esse é mais um deles.
Um grande abraço,
Dr. Leandro Minozzo – Nutrólogo e Clínico Geral
Um comentário:
Buenísima información y orientación. Me ha sido muy útil
PR
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